quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

EU SOU SAMARITANA V

 Sem desprendimento do mundo não há como acolher a proposta de Jesus.


No prosseguir do diálogo, mediante a proposta de uma "água viva" que faz o Senhor Jesus, a mulher retruca: "Serás maior que nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual bebeu ele mesmo, como também seus filhos?" (vers. 12). Vê-se, aqui Nosso Senhor receber uma má-resposta, quiçá reprimenda, da parte da samaritana que invoca a memória de um dos Patriarcas; e assim acontece, até esse dias, Àquele que nos propõe o bem, que sugere algo melhor e mais elevado, tendo, no entanto, que sujeita-se a atitudes rudes derivadas de almas embotadas pelo pecado, incapazes de discernir tão altos propósitos, visto estarem arraigadas a toda sorte de realidades mundanas. 

O diferencial, no entanto, é que aquela mulher se depara com alguém que não se pauta, nem se porta, por atitudes carnais, mas conduzido pelo Espírito Santo, e inflamado de um amor extremado pelas almas, não se deixa abalar, mas segue em frente, pois ao Deus de misericórdia é dispensável embates infrutíferos, daí responder à mulher dizendo: "Todo o que beber desta água voltará a ter sede. Aquele, porém, que beber da água que eu darei, nunca mais tornará a ter sede, mas a água que eu darei se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna" (vers. 13).

Novamente o Senhor insiste num diálogo espiritual e elevado, ainda que tendo como pano de fundo a fonte de água onde se encontram. O Senhor outra vez deixa evidenciar, ainda que metaforicamente, a necessidade de saciedade da mulher, e explícito que não será aquela fonte de pedra, funda, de difícil acesso que a saciará naquilo que mais deseja: felicidade.

Por isso, então, Jesus propor uma "água" mais excelente, capaz de levar aquele que dela beber a "nunca mais ter sede", nunca mais precisar buscar felicidade incompleta, falsa, fugaz, mas intermitente; felicidade perene, não somente por que sacia a si própria, mas por que será capaz de jorrar, de transbordar, e servir a outros promovendo, assim, maior felicidade, e que durará para a vida eterna, pois a felicidade produzida na alma por fazer o bem aos outros não cessa ao fim desta vida terrena, mas permanece até na vida eterna, e este fato pode-se observar nas palavras de Santa Terezinha do Menino Jesus no seu leito de morte quando disse: "Passarei o meu céu fazendo o bem sobre a Terra".

Contudo a incompreensão persiste, mesmo quando faz a opção por aceitar o que o Senhor propõe, visto que ainda que declare: "Senhor, dá-me desta água...", evidencia seu entendimento humano ao completar: "..., para que eu não tenha mais sede, nem tenha de vir aqui tirá-la" (vers. 15). Essa dificuldade em compreender o que Jesus estava a lhe propor tem uma razão, um por que, e que precisa ser debelado, removido, extirpado, afim de que, a exemplo do Apóstolo São Paulo, "as escamas lhe caia dos olhos" (At 9, 18) e assim perceba Quem fala, o que fala, e o que propõe. 

domingo, 27 de dezembro de 2020

EU SOU SAMARITANA IV

 Uma proposta é feita, a resposta determinará o resultado!


Eis que chega à fonte, trazendo seu "cântaro" de esperanças, vazio pelas frustrações, desejoso de ser cheio de alegria e felicidade, a mulher samaritana. Ali depara-se com a realidade (a fonte quase vazia, que fornecerá água por um tempo), e a realidade (a Fonte transbordante, que fornecerá água inesgotavelmente). Internalizada em sua única intenção: conseguir a água que deseja, talvez nem se dê conta de quem ali se encontra, há não ser a certeza de ser uma presença indesejável, visto saber de que origem provém.

Certamente é surpreendida por aquela voz que lhe dirige um pedido: "Dá-me de beber!", afinal, natural seria receber a mesma indiferença, ou até desprezo, pois, quem sabe, já não nutria ela o mesmo sentimento ao avistar tal homem e identificar de onde procedia. E isto se explicita ao responder: "Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?". A caridade neste caso, sucumbe à rivalidade. 

No entanto, a humanidade do Nosso Senhor não rivalizará com aquela mulher impregnada de preconceito, mas agirá a divindade do Senhor para, assim, elevar a um nível de possibilidade de mudança um diálogo que, se mantido apenas no âmbito da discussão de méritos, não produziria o efeito que o Senhor desejava. Daí Jesus contra-argumentar dizendo: "Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz: "Dá-me de beber", tu lhe pedirias, e Ele te daria a água viva".

Nosso Senhor deixa, ainda que implícita, a seguinte reflexão à mulher: "Não se trata, aqui, de aceitar ou não aceitar alguém; mas, de que existe alguém que tem sede, e existe quem pode saciar esta sede!". Por que diferenças políticas, ideológicas, culturais, enfim, nada disso interessa a Deus há não ser a salvação das almas, pois se essas questões fossem importantes a Jesus teria se oposto a curar o servo do Centurião romano, afinal seriam eles seus algozes futuramente; ou jamais enviaria o Apóstolo São Pedro a Cornélio (At 10, 1-48), também centurião romano. O interesse de Deus é restauração, resgate de almas, daí lançar esse argumento à samaritana.

Entretanto, ainda limitada às realidades práticas, a mulher compreende que Jesus se oferecia para lhe ajudar a encher o cântaro que trazia aos ombros, tanto que responde dizendo: "Senhor, não tens sequer com que tirar água, e o poço é fundo; de onde tens essa água viva?". Por quê a dificuldade de compreender o que Nosso Senhor quis dizer? Semelhante ao que aconteceu no diálogo com Nicodemos quando Jesus diz ao fariseu: "Em verdade, em verdade te digo: se alguém não nascer de novo, não poderá ver o Reino de Deus" (Jo 3, 3), e o fariseu questiona: "Como pode alguém nascer se já é velho? Ele poderá entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe para nascer?" (Jo 3, 4 )?

Por quê a linguagem espiritual não poderá ser compreendida numa realidade carnal, material, mas exige adentrar a uma realidade espiritual; e adentrar a essa realidade espiritual parte de uma aceitação do convite que é feito pelo próprio Deus por meio Daquele que é o Dom de Deus, Aquele que nos fala, não à razão embotada pelo pecado, mas ao coração. E a partir desse convite, e da resposta que se dará a Ele, é que se vislumbrará o desenrolar de tudo e para onde se encaminhará essa alma a partir da aceitação ou rejeição da oferta proposta.

sábado, 26 de dezembro de 2020

EU SOU SAMARITANA III

 Existe apenas UMA FONTE que sacia!


O texto segue e diz que o Senhor FATIGADO encontra uma "fonte" e senta-se junto a ela, e isso se dá por volta da hora sexta (meio dia). O lugar, as condições, o tempo; três elementos se interconectam para para moldar o cenário, onde, no palco da vida, três personagens se encontrarão. Dois já explicitados: Jesus e o poço; e a terceira que logo se apresentará: a mulher samaritana.

O cenário, já abordado anteriormente, constitui-se da terra de samaria, o lugar do desagrado, e agora uma fonte (em outras traduções, um poço). Neste terra (a alma), de aridez e adversidade, encontra-se uma fonte (o coração), ao que depreende-se do texto, não completamente vazia, mas de grande profundidade o que dificulta conseguir alguma água. 

E neste lugar tão adverso Nosso Senhor se achega, fatigado de tanto peregrinar por outros lugares, ou melhor, por tantas almas, e não encontrar outra realidade se não a mesma que ora se encontra, infelizmente. As "terras de samaria", as almas de solo sequioso, possuidoras de fontes quase vazias, quando não vazias por completo, fontes petrificadas pelo pelo pecado, que se aprofunda cada vez mais tornando o amor depositado nela quando do Batismo, cada vez mais inacessível, ainda que exista.

As condições do clima ainda cooperam para, ainda mais, maltratar o amado Rei que sempre encontra essas "fontes" com sol a pino, no máximo do seu calor; sol escaldante, que arde a pele, quase cega as vistas, faz suar ao ponto de desidratar, de deprimir as forças ao ponto de fazê-las renderem-se...Quem suportaria enfrentar tal realidade? Por quê o faria? Não outro, senão o Apaixonado pelas almas, o Salvador, Redentor, ávido por "fazer novas todas as coisas" (Ap 21, 5), que no seu peregrinar incansável depara-se com triste realidade, e desejoso de transformá-la, aceita tão laboriosa missão. E o faz por amor, nada mais.

O tempo. Em Eclesiastes 3, 1-8 a Palavra diz que "Existe um tempo para cada coisa...". E eis que o tempo chega, para a alma que o Senhor deseja, o "meio dia", a passagem da manhã para a tarde, do engano para a verdade, da perdição para a salvação, se faz concreta em algum momento da história para todos. Nesse meio dia de sol a pino, onde, talvez a intensidade dos pecados atingiram sua maior amplitude, eis que é chegado o momento da graça acontecer, - não que ela necessitasse esperar chegar a tal ponto -, mas que ela vem, vem.

E é neste cenário, onde a postos estão a "fonte quase vazia" (a maioria de nós!) e a Fonte que se dirá transbordante, que surgirá a outra personagem: a mulher samaritana, carregando seu cântaro vazio, à procura de água para o encher, afinal a sua casa tem sede, ela tem sede. Chega ali, trazendo o peso do vaso, que se, metaforicamente, atribuir-se ao coração, pesa pelas durezas decorrentes do orgulho, egoísmo, amor-próprio, soberba..., e tantos outros males que endurecem o coração a tal ponto de ele pesar no peito, ainda que vazio; vazio do amor de Deus, vazio de virtudes, de caridade, de fé e esperança...

Essa alma samaritana vê-se, então, diante da realidade da grande maioria: ir em busca de saciar sua sede em fontes vazias, ou quase vazias, onde até encontra, muito dificilmente, um resquício de bem que até alegra, contenta, satisfaz, mas por pouco tempo, por quê? Por que "assim como a corça anseia pelas fontes das águas, assim anseia minha alma por ti, ó Deus." (Sl 41 (42), 2", e a esse clamor, muitas vezes desesperado, não serão fontes humanas incompletas que irão promover tal saciedade, há não ser a FONTE transbordante, que se encontra ao lado, fatigada, cansada, extenuada, mas desejosa de encher os cântaros vazios de todas as "almas samaritanas" que estão por aí a vagar, buscando nas fontes inadequadas, o que somente a Fonte inesgotável de amor pode proporcionar.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

EU SOU SAMARITANA II

 Há que se reconhecer: "A saciedade não está num lugar, está em alguém!"

Narra as Escrituras que Jesus partiu da Judeia para a Galileia, "mas deveria passar pelo território da Samaria" (Jo 4, 4). A Judeia, terra natal do Senhor; a Galileia, terra onde o Senhor Jesus cresceu e permaneceu até o início da missão; ou seja, o lugar das boas memórias, o lugar do agrado, o lugar que suscita felicidade. 

A exemplo do Senhor, todos possuem seu lugar de satisfação, no entanto, para transitar de um lugar a outro, há de se passar pela "samaria", lugar do desconforto, da tensão, da contrariedade..., visto que a sequência do texto mostrará a cisânia que existia entre judeus e samaritanos. Isso demonstra que a alma até possui territórios de agrado, porém, em fronteira com territórios de desagrado, e o lugar do desagrado sempre tende a se sobressair, pois a felicidade completa é o anseio de todos.  Transitar por este lugar desagradável cansa, fatiga, desgasta, daí não se desejar passar por estes lugares e preferir, então, atalhos, mas não para Jesus.

O Senhor deseja a integralidade da nossa felicidade que consiste na restauração completa da alma; a restituição da dignidade perdida no Éden; dignidade que consistia na plena intimidade entre o homem e Deus, a graça de amar com o amor de Deus, a ausência de tensão entre a vontade própria e a vontade do Pai...Daí, Nosso Senhor transitar, a pé, por todos os recantos do território israelense, afim de deparar-se com os "territórios desagradáveis", com as "samarias", pois resgatar, restituir, saciar era o intento que impulsionava o Salvador a empreender com perseverança e amor.

Diante desta ótica, necessário se faz compreender que a sede existente não será debelada em um lugar, visto que são transitórios, passageiros; daí a necessidade de se perceber que voltar ao lugar que nasceu, visitar um lugar paradisíaco, conquistar um bem desejado, saciar a gula, o prazer sexual, enfim, buscar esses "territórios de agrado" não resolverá o problema que seguirá persistente e, cada vez mais crescente em cobrar: "Eu tenho sede! Onde saciá-la?". 

Neste instante, a verdade tem de ser invocada e ela, com precisão responderá: "Não está num lugar. Está em alguém. E esse Alguém tem nome e poder para fazer possível aquilo que se deseja. Esse Alguém é Jesus!". 

Apropriado desta realidade o início da mudança se dará e se a humildade, aliada da verdade for acionada, o processo de restauração, de saciedade terá seu start e Aquele que diz, por intermédio do profeta: "Eis que faço novas todas as coisas" (Is 43, 19) realizará o que mais se deseja: restauração.

domingo, 20 de dezembro de 2020

EU SOU SAMARITANA

Introdução

Dentro do território de Israel, dentre as várias realidades que se contrapunham, uma era mais evidente, e por isso mesmo, evidenciada por Nosso Senhor Jesus Cristo: seja ao contar suas parábolas, seja  em algum momento da sua vida pública.

E no que concerne à sua vida pública, uma passagem que retrata bem esta realidade conflitante é o conhecido encontro do Senhor Jesus com a samaritana. Encontro este que, por meio do ambiente, situações e, principalmente, dos diálogos, trazem luzes maravilhosas à alma de todo aquele que tem desejo de compreender as realidades espirituais, - não somente sobre o prisma da curiosidade, que por sua postura descompromissada faz-se estéril e sem possibilidade de produzir efeitos reais de mudança -, mas, com vivo intuito, intenção, de ali encontrar rica fonte de saciedade para a alma que clama por direção, sentido, e completude que gera felicidade.

Eis, então, o texto evangélico de São João 4, 1-42, disponível a fornecer a todo o que faz essa busca sincera a partir das necessidades interiores, um subsídio precioso aos que reconhecem que, a exemplo do Salmista que declarava: "Minha alma tem sede de vós, como terra sedenta, ó meu Deus!" (Sl 62 (63), 2), tem uma sede interior que brada à semelhança de Nosso Senhor no alto da cruz: "Tenho sede!" (Jo 19, 28); sede que não existia até a queda de nossos primeiros pais Adão e Eva, mas que tornou-se realidade a partir da expulsão do paraíso.

Consciente, então, que existe uma realidade na alma: Existe uma sede, sede de sentido que traga felicidade, infere-se, portanto, que existe um "lugar" onde essa "sede" é saciada, esse sentido é dado, essa felicidade é alcançada. Porém, a alma em toda a sua vicissitude pode, neste afã de procura, ir às fontes erradas, daí a necessidade de uma postura de discernimento e profunda humildade para poder reconhecer que encontrou o "lugar" certo.

O principiar de tudo é o reconhecer, pois, semelhantemente ao viciado que nega o vício, o enfermo que nega a doença..., negar que não tem "sede" de sentido, de completude, de felicidade, é tornar difícil o caminho de solução, daí a verdade ser essa fiel companheira, indispensável na jornada, pois ela é a conselheira e convencedora que impele a alma a este reconhecimento. Assim, a verdade faz reconhecer: reconhecer que necessita e reconhecer que pode corresponder a esta necessidade.

Daí compreender que o encontro da samaritana (necessitada) com o Senhor Jesus (a solução), somente se fez proveitoso por que foi permeado de reconhecimento e verdade ensejando, assim, um resultado tão profícuo que transborda até esses dias mostrando-se como referencial seguro para todo o que, guiado pela verdade, reconhece: "Eu sou samaritana", eu tenho sede!