sábado, 15 de agosto de 2020

REFLEXÕES DE UM TEMPO DE QUARENTENA (PARTE 6)

 "Eis a vontade de Deus a vosso respeito: a vossa santificação..." (1 Ts 4, 3)


Em toda ação de Deus, principalmente, aquelas que mostram-se desfavoráveis ao nosso gosto, ao nosso querer, que frustram o bem-estar e desalojam, está o propósito maior que é de colocar-nos em consonância com a sua santa vontade.

Até a queda de nossos primeiros pais, Adão e Eva, a vontade de Deus encontrava perfeita aceitação, perfeita adesão, perfeita afinidade com a do ser criado, num amálgama tão preciso que Deus via-se na criatura, e por isso agradava-se em "vir ter com eles à brisa da tarde" (Gn 3, 8), a criatura via-se em Deus, e viam Deus um no outro, e somente um no outro. Até este tempo a vontade de Deus era a própria vida do homem.

Eis que, por ação do "divisor" (diabolos), essa íntima união se desfaz; o arquétipo do mal obteve um meio de romper esta união, dissociá-lo com um elemento que foi capaz de romper o elemento que propiciava esta íntima e perfeita fusão: o amor. E esse "elemento" é a soberba.

Aceitando a tentação e sorvendo do "veneno" da soberba, ocorre a cisão: o vínculo mais íntimo que era o amor dá lugar ao medo e a não mais aceitação integral da vontade de Deus que produz a morte.

A partir dali, ao longo de todo o Antigo Testamento, o que se observará é o homem sendo exortado por Deus a aderir ao Seu Amor, à Sua vontade, e o que se percebe é, ora uma adesão por temor da justiça divina, ora a desobediência e o abandono dessa vontade.

Deus se ressente em várias passagens quando, por meio de seus profetas declara: "Esse povo vem a mim apenas com palavras e me honra com seus lábios, enquanto seu coração está longe de mim..." (Is 29, 13), demonstrando, então, que aquilo que se observava lá no Éden já não existe, e por mais que tentativas o Pai engendre, por meio de alianças sucessivas, o êxito não acontece.

Eis que, então, Deus Pai lança mão da promessa ainda feita no Paraíso (Gn 3, 14-15): seu Filho Unigênito, Jesus Cristo, para que em condição humana, pudesse, então, em palavras e atos, demonstrar ao povo de Israel, e à humanidade inteira, qual é a vontade do Pai para cada um: "Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5, 48 ).

Santo Afonso de Ligório ensina que "Ser perfeito é submeter-se totalmente à vontade de Deus", que é o que Nosso Senhor Jesus Cristo ensina na passagem do encontro com a samaritana: "Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir sua obra" (Jo 4, 34), ou no Getsêmani: "Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua." (Lc 22, 42).

A plena realização da vontade de Deus em nós é o cumprimento do seu querer maior: a nossa santificação. Por isso que o Apóstolo São Paulo em 1 Ts 4, 3 vai dizer: "Eis a vontade de Deus a vosso respeito: a vossa santificação...". E o princípio do cumprimento desse querer de Deus é o amor, e para que isso aconteça Jesus e o Pai enviam um Paráclito: o Espírito Santo; Ele possibilita isso como bem afirma o mesmo São Paulo em Rm 5, 5: "Por que o Amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado".

Trazendo toda esta reflexão ao contexto desse tempo de pandemia, ameaça viral, o isolamento imposto pelas autoridades humanas, seja, certamente, esse realidade uma permissão divina, afim de buscar exercitar, ou despertar em cada um, a necessidade de fazer a vontade de, obedecer a, e assim, incomodar em cada um a soberba existente que alimenta a vontade própria reinante.

O Senhor, neste tempo de privação, nos chama ao exercício de sair de nós, olhar para Ele, reconhecer qual seja a vontade Dele e, pela via da humildade e do amor, auxiliados pela graça de Deus e do Espírito Santo que nos capacitam a romper com o querer próprio, assumir o querer de Deus e assim dar passos na direção de que Ele possa produzir em nós a realidade experimentada, no início por Adão e Eva, depois por Maria Santíssima e Nosso Senhor Jesus Cristo e, posteriormente, pelos Apóstolos e os Santos e Santas da Igreja.

O Pai deseja a nossa vontade, para que unida à Dele, tenhamos "vida, e vida em abundância" (Jo 10, 10). 

Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

REFLEXÕES DE UM TEMPO DE QUARENTENA (PARTE 5)

"Todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus..."


Paradoxo é a confrontação entre positivo e negativo, bom e ruim, bem e mal..., onde o que , a princípio é o não aceitável, rejeitável, reprovável..., coopera para o, racionalmente, esperado e preferido.
Assim, observe-se o exemplo máximo que é o de Nosso Senhor Jesus Cristo que, ao morrer crucificado, - pior e mais cruel das condenações -, é visto aos olhos da maioria dos que testemunhavam tal espetáculo como derrotado, tem na sua morte de cruz penhor de salvação, logo, Jesus é vitorioso.
Percebe-se aqui, que a dinâmica dos acontecimentos do mundo espiritual não seguem os ditames lógicos daquilo que o mundo natural, humano, cartesiano e pragmático, costuma preconizar, e ditar como o aceitável pautado em premissas como: "Tudo dar é tudo perder!". A conduta divina e sobrenatural, entretanto, contesta dizendo que: "Tudo dar, é tudo ganhar!".
Esse "ilogismo" põe em confusão absoluta o mundo moderno que há alguns séculos passou a abraçar, e aceitar, como único pensamento plausível o racionalismo-cientificista-empirista onde, para se fazer crível os eventos e fenômenos, estes devem ser testados e explicados, afim de que possam ser cabalmente factíveis.
As realidades metafísicas põem a termo essa linha de pensamento com fatos concretos, como, por exemplo, a existência aos milhares de santos como corpos incorruptos, os detalhes do manto de Nossa Senhora de Guadalupe, entre outros. Algo que deveria fazer o mundo cair de joelhos perante a verdade, semelhante a São Pedro ante Nosso Senhor Jesus Cristo na passagem da pesca milagrosa (Lc 5, 1-11), onde, num único lançamento de redes ao mar, num local improvável (à margem), num horário improvável (de dia), arrastam redes tão abarrotadas que as mesmas se rompem. Eis o paradoxo, eis o aceitável acontecendo a partir do improvável para reafirmar as palavras do Arcanjo São Gabriel a Nossa Senhora: "Por que a Deus, nenhuma coisa é impossível" (Lc 1, 37).
No entanto, o mundo materialista, pagão, cético..., prefere renegar essas verdades gritantes, incontestáveis. E por quê? Por que isso lhes tira o poder, a vaidade de dizer: " Eu fui capaz disto, pois deu-se exatamente como, racionalmente, eu calculara!". E com isso rebelam-se, pois o status de autoridade sobre o evento lhes foi tirada, em vez de, a exemplo de São Pedro caírem aos pés de Jesus, ou seja, dobrarem-se diante de realidades factíveis e impossíveis aos ditames humanos, preferem, a exemplo de Faraó diante das pragas, endurecer o coração.
Assim, contrariamente ao ato humilde de reconhecimento de São Pedro, enchem-se de raiva e indignação. E por quê? Por que não amam a Deus! Por que os prodígios, milagres e sinais, a morte de cruz do Senhor Jesus, não tem outro objetivo senão de demonstrar o grande bem, o grande amor que Deus nutri para com a humanidade. Ou seja, Deus faz por amor, os incrédulos fazem por vaidade.
Desta forma, os que amam a Deus compreende, e em vez de se sublevarem, como os orgulhos incrédulos, o louvam, glorificam, bendizem e amam. Os descrentes se fecham, se endurecem e odeiam, por que querem glórias para si próprios. Eis a incompreensão, a difamação, a perseguição a Jesus e a Sua Igreja: por que ela há muito compreendeu essa verdade, que pelas palavras do Apóstolo São Paulo estão postas para a humanidade de todos os tempos: "Todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus" (Rm 8, 28).
Eis, nesses tempos de pandemia, a oportunidade de vislumbrar essa ação divina operando uma vez mais para demonstrar quão limitadas são as capacidades dos racionalistas-cientificistas que olham o problema e buscam, a custo de esforço próprio, debelar o mal, porque ele não pode trazer nenhum benefício há não ser doença e morte.
Os que seguem a visão espiritual dos acontecimentos, vêem,  -apesar do temor que lhes causa, também, afinal somos humanos -, um benefício: a possibilidade das almas tornarem a Deus, lembrarem que existe um Pai que está a acordá-los do sono perigoso, da cegueira que conduz a muitos ao precipício. Eis o paradoxo! E se acontece é para que "concorra para o bem dos que amam a Deus", e de toda a humanidade que Deus ama.
Os que ama compreendem; os que rejeitam ao Deus de amor empreendem em rejeitá-Lo e desprezá-Lo ainda mais. A humanidade possa, nestes dias  maus, ver a ação, ainda que paradoxal, desse Deus que ama, e que, a exemplo do nosso primeiro Papa, rebaixemo-nos e reconheçamos humilhados, que se trata de uma declaração de amor de um Pai que se importa, porque "human lives matter" (a vida humana importa!).
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.