domingo, 5 de junho de 2016

Por causa de...? ou, Apesar de...?

O que se constata nestes dias, no que tange ao anúncio do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é um desvirtuamento quase que completo daquilo que foi estabelecido e determinado pelo Senhor aos seus Apóstolos e a toda a Igreja.
Este desvirtuamento se observa quando se prega um Evangelho que não mais é utilizado para confrontar o homem com a sua condição real de pecado, e por isso, encontra-se dilacerado pelo mesmo assim como é mostrado Jesus à multidão após a flagelação com a frase de Pôncio Pilatos: "Eis o homem" (Jo 19, 5), como bem explica o Papa Emérito Bento XVI na segunda parte da sua obra "Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém à ressurreição".
Confrontação à qual se viu tendo que encarar aquela mulher adúltera (Jo 8, 1-11), e que diante de Jesus que a salvara do apedrejamento ouve dele o pedido: "Vai e não tornes a pecar" (vers. 11).
Trata-se, hoje, de um Evangelho que foca na solução dos problemas prementes (enfermidades, dívidas, crises familiares...), ou pior: como guia de auto-ajuda, sem, no entanto, preocupar-se em ir a fundo na causa principal: o pecado (fonte de todos os males e mazelas humanas). É como se alguém quisesse recuperar um móvel corroído por cupins sem se importar com os cupins.
Além disso, todo milagre, toda benção recebida não tem a finalidade de gerar uma mera satisfação pessoal e uma gratidão estéril, mas possui a função de aproximar o agraciado de Cristo, a Ele reconhecer e amar, e por Ele deixar tudo e segui-lo como fizeram Pedro, André, Tiago e João (Lc 5, ).
No entanto, o que se observa são igrejas e seitas, a partir de uma utilização equivocada ou mal intencionada do Evangelho de Jesus buscando estratégias para mais lotar templos e atrair adeptos sedentos por graças particulares do que proporcionar o feliz encontro destas pessoas com o logos de Deus, Jesus Cristo, que, verdadeiramente, é o sentido da vida: amar e servir a Deus (CIC, 396).
Neste afã de atraírem adeptos e não adoradores de Deus que o adorem em "Espírito e em Verdade" (Jo 4, 23) por Ele Jesus, sem esperar nada em troca (como declarava Santa Tereza D'Ávila), sucedem-se invencionices das mais absurdas e ao se observar tais descalabros pergunta-se: "Como pode, em meio a tanto absurdo, Deus agir e tantos milagres acontecerem?"
A resposta primeira é: Misericórdia e Fé. Deus conhece as nossas misérias, conhece a todas, principalmente a desobediência e ingratidão; no entanto, por AMOR aos homens ele vem ao encontro dos miseráveis, principalmente, quando seu nome é clamado com fé viva e coração humilhado. Por isso que Deus diz a Moisés: "Eu vi, eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos." (Ex 3, 7), e movido por esse amor compassivo e misericordioso agiu e libertou os israelitas.
Em segundo: Deus não age por causa de, mas, na maioria das vezes, apesar de. assim, independente da situação de vida que aquele (a) servo (a), líder religioso viva na sua intimidade, ainda que aos olhos dos outros busque demonstrar santidade nas atitudes, mas que aos olhos de Deus não passe de um "sepulcro caiado" (Mt 23, 27), assim mesmo o Senhor age. E age por quê?  Por que é Amor (1 Jo 4, 8. 16).
Essa constatação deve produzir na vida de todo cristão engajado na missão de evangelizar uma consciência de que não é por causa de mim, pois talvez a minha condição de vida seja a mais lastimável perante Deus, mas apesar de mim é que Deus realiza. Muitos santos como Santo Afonso de Ligório tinham esta clara certeza diante de si, daí declarar que "De nós mesmos só temos o nosso nada e o nosso pecado", logo era plenamente consciente que se graças aconteciam na vida das pessoas não eram por causa dele, mas apesar dele. Ser reconhecedor dessa verdade é fator imprescindível para que se destrua a soberba (que campeia em tantos templos e congregações) e se edifique a humildade; esse foi inclusive o itinerário espiritual de todos os santos da Santa Igreja tendo em Jesus e Nossa Senhora exemplos maiores.
Faz-se imperioso, porém, deixar claro que Deus deseja servos, líderes santos, pois 1 Pedro 3, 16 conclama: "Sede santos como vosso Pai é Santo", logo, a santidade não é exceção, mas a regra, e naqueles (as) onde esta santidade verdadeiramente se expressou, como em Santa Tereza D'Ávila em que Jesus ao constatar uma plenitude de santidade e de amor total a Ele declarou: "Todo o pedido que a mim apresentares não ficará sem resposta" (não com essas palavras literais!), o agir de Deus foi por causa de.
Infelizmente, como prevalece o apesar de, que o Senhor Jesus levante homens e mulheres cheios do Espírito Santo, que apesar de fraquezas e falhas desejam ser instrumentos usados pelo Cristo para o bem do próximo, sem invencionices ou deturpações, mas consciente de que se algum bem se faz ou realiza na vida do irmão é apesar de.
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.