sábado, 23 de janeiro de 2016

Entre o "egito" e "canaã" existe um mar e um deserto a atravessar!

A libertação do povo cativo no Egito que, de acordo com o ensinamento da Igreja, torna-se a metáfora da libertação da humanidade, é fonte inspiradora não só de reflexão, mas de ensinamento profundo para todo o que tem uma meta concreta para a sua jornada por esta vida que é o céu.
É-nos ensinado que  o egito, num sentido espiritual, é lugar de tormento, dor, opressão, lágrimas, humilhação, privação...e toda sorte de males; este lugar terrível tem um "rei", um chefe: satanás, no caso, prefigurado na pessoa de faraó.
Este lugar é visitado por um homem de Deus que carrega a missão de libertar os cativos, com a finalidade de guiá-los para um outro lugar: canaã, a terra que mana leite e mel (Ex 3, 8.17), onde, espiritualmente falando, é lugar de liberdade, paz, fartura, alegria...
O detalhe é que entre o lugar da opressão e o da salvação existe um mar e um deserto a serem atravessados. Na narrativa bíblica o povo, agora saído do Egito, depara-se com o mar vermelho que, por ação sobrenatural de Deus, abre-se para lhes dar passagem.
Este "mar" é a água redentora do Batismo pelo qual os braços de Deus se abrem para acolher não somente um povo específico, mas uma humanidade inteira que por Ele é exortada a deixar um "egito" de pecados. Braços que se abrem, agora, por meio de um coração aberto num madeiro para por meio do sangue redentor, agora do Filho de Deus, se possa chegar até a "canaã" celeste.
Atravessar este mar significar aderir, incorporar-se a um propósito, abraçar uma decisão que é a salvação. No entanto, este "mar" é só um passo, pois logo após ele virá a etapa mais desafiadora: o deserto.
O deserto nesta conotação mística indica lugar de privações, adversidades, provações, daí o fato de Jesus, após ter sido batizado, como narra Lc 4, 1-14, é levado pelo Espírito Santo ao deserto e lá permanece quarenta dias e quarenta noites em jejum (privação) e oração sendo, por várias vezes, tentado por satanás (provação); isso tudo para mostrar que o caminho rumo a "canaã" é trilhado em meio a lutas.
Em meio ao deserto o povo teve sede, assim como todos que ao atravessarem essa jornada também sentirão sede (de amor, de paz, de consolo...); no deserto o clima é hostil (quente demais ou frio demais), do mesmo jeito a peregrinação se dará entre a "quentura" das tentações carnais e a "frieza" da descrença e apostasia.
No deserto o povo estava sob o risco de animais e feras perigosas; nesta caminhada o homem também corre o risco do ataque de "feras" perigosas (drogas, prostituição, violência...); no deserto o povo viu-se instigado à rebeldia e a desobediência por influência de um anjo mau; nesta jornada a investida deste anjo também é certa.
No entanto, este "deserto" não tem a finalidade de matar, mas de aperfeiçoar; por isso que Deus, vendo que o povo não estava pronto a adentrar canaã, devido, ainda, a pecados a serem extirpados, faz com que Moisés reconduza a todos por mais quarenta anos pelo deserto (Nm 14, 33-34) para, aí sim, adentrarem a terra prometida.
É bem verdade que, à exceção de Josué e Caleb (Nm 14, 30), todos, inclusive Moisés, não adentraram Canaã (terrena), mas isso não significa que  não alcançaram a "canaã" celeste, pois, na passagem da transfiguração de Jesus (Mc 9, 2-13), Moisés aparece com Elias na glória (Mc 9, 5).
De certo é que, se o "deserto" desta vida, ou desterro (como dizia Santa Tereza D'Ávila) é para nos aperfeiçoar, é fato que não se está só nessa batalha, mas, assim como o povo de Israel que naquela situação tinha Deus ao seu lado provendo e auxiliando, também nós temos este mesmo Deus, por meio da Igreja e da Santíssima Trindade nos dando o mesmo auxílio.
Fato é que a nossa jornada inicia-se no "egito" (perdição) devido nascermos trazendo a marca do pecado original (Rm 5, 12), mas através do Batismo (adesão e libertação) somos guiados para outro destino que antes passa pelo "deserto" (provação) afim de que se chegue a "canaã" (salvação).
O Senhor Deus de misericórdia, por meio do seu amado Filho Jesus Cristo, por intermédio do divino Espírito Santo, ajude a cada ser humano compreender esta realidade e decidir-se pelo propósito de alcançar a glória celeste em meio as lutas na travessia, dolorosa, mas necessária, com o firme desejo de conquistar a coroa da vitória (Ap 2, 10).
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

"Portanto, se com tua boca confessares...serás salvo!" (Rm 10, 9)

É interessante constatar como todo agir de Deus passa, necessariamente, pela força da palavra, pois por meio dela tudo se fez e esse faça-se (fiat) que gera toda a Criação culminando em Adão vai repetir-se, futuramente, com Maria Santíssima que na sua resposta ao apelo do anjo diz: "Faça-se" (fiat) o que gerará o novo Adão: Jesus.
Ao longo de toda a Bíblia é a palavra que distanciará ou aproximará o homem de Deus e no projeto salvífico do Pai isso se tornará mais evidente em Jesus, pois a salvação que Ele possibilitará à humanidade passa pelo crer (Jo 3, 16), e crer significa ter fé, e a fé tem que ser expressa, confessa (Rm 10, 9).
Assim, a salvação passa pela ação da palavra, por isso Jesus em várias passagens dos Evangelhos realiza milagres, prodígios variados devido ser tocado por essa fé professada.
É o que se observa em três casos interessantes: o primeiro é o da mulher do fluxo de sangue (Mc 5, 25-34) que ao tocar na orla do manto do Senhor Jesus fica, instantâneamente, curada; porém, o que passa despercebido a muitos é que antes da ação de tocar ela proclama sua fé em Cristo ao declarar: "Se tocar, ainda que seja na orla do seu manto, estarei curada" (vers. 28), e assim a graça aconteceu.
Um segundo exemplo  é o da cura do servo do centurião (Mt 8, 5-13) onde as Escrituras narram que o Senhor Jesus ao ser interpelado pelo soldado romano oferece-se para ir à casa mesmo e restabelecer a saúde do enfermo; no entanto, Jesus é surpreendido pela profissão de fé daquele homem que exclama: "Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa. Dizei uma só palavra e meu servo será curado" (vers. 8). Tal confissão impactou Jesus de tal maneira que levou o Senhor a declarar: "Em verdade vos digo: não encontrei semelhante fé em ninguém de Israel" (vers. 10).
Um terceiro caso é o da cananéia (Mt 15, 21-28) que interpela Jesus para que liberte sua filha do mal que a acomete; após muito clamar, chegando a irritar os discípulos e Jesus, recebe do Senhor uma resposta dura: "Não convém jogar aos cachorrinhos o pão dos filhos" (vers. 26), e mais uma vez o Senhor se verá sendo surpreendido por uma profissão de fé impactante: " Certamente, Senhor, replicou-lhe ela; mas os cachorrinhos ao menos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos" (vers. 27). Jesus, profundamente tocado, declara: "Ó mulher, grande é tua fé! Seja-te feito como desejas" (vers. 28).
Chama a atenção nestes exemplos o fato de que Jesus não faz acepções no sentido de que a mulher hemorroíssa era judia (como Jesus), mas o centurião e a cananéia eram pagãos, isso para indicar que a graça está acessível a todos desde que creiam e reconheçam que a confere: Jesus, o Senhor, e os três O assim reconhecem.
Jesus em várias passagens como a da mulher do fluxo de sangue deixa evidenciado que a fé "a salvou" e não somente "a curou", pois o propósito maior do Senhor é a salvação do homem; para isso Jesus após a ressurreição deixará como obrigatoriedade aos discípulos a necessidade de ser batizado (Mc 16, 15-16) o que não se sabe se veio a acontecer com os exemplos aqui explicitados.
Infelizmente, nestes tempos de apostasia confessar Jesus como Senhor pela fé tem sido cada vez mais um desafio para a Igreja, visto que a tentação do Éden de que qualquer um pode ser "deus" e assim ser "senhor" de sua própria vida e história, sem necessitar de auxílios superiores, tem levado muitos a rejeitar confessar Jesus.
No entanto, para aqueles que não se deixaram enredar pelo engano da "serpente" seguem crendo firmemente no que declara São Paulo na sua Carta aos Romanos que a salvação passa por confessar Jesus como Senhor pela fé, por isso o "justo viverá pela fé" (Hab 2, 4; Rm 1, 17), por isso que a palavra de fé sempre terá essa força salvífica para sí e para outros.
O Espírito Santo que concede o carisma da fé (1 Cor 12, 9) suscite nos corações a força para professar sem dúvidas ou receios a crença no "nome que está acima de todos os nomes" (Fl 2, 9) e que a todos quer salvar.
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Misericórdia e humildade

O Santo Padre o Papa Francisco decretou o Ano Jubilar da Misericórdia com o intuito de suscitar à humanidade, cristã ou não, volver seu olhar Àquele que é o Rosto da Misericórdia (Misericordia vultus): Jesus Cristo.
Misericórdia possui tantos conceitos, todos cabíveis, mas ao tomar por parâmetro os Evangelhos e os gestos misericordiosos de Jesus, um que se mostra relevante é a certeza de que é "um Deus que amorosamente se inclina em favor de uma humanidade para resgatá-la sendo esta imerecedora".
Este gesto de "sair de" uma condição superior e "vir a" uma condição inferior é próprio dos possuidores de uma virtude nobre: a humildade. Assim, se a misericórdia tem um rosto humano-divino e esta Pessoa trás em si a marca da humildade, então misericórdia é humildade, e não somente numa via de mão única, mas em mão dupla, pois a misericórdia que humildemente estende a mão colaboradora deve, necessariamente, encontrar uma mão que, também, humildemente estenda sua mão necessitada, e assim a graça acontece.
Isto pode ser plenamente observado na passagem do filho pródigo (Lc 15, 11-32) onde o pai amoroso estende, amorosamente, seu abraço acolhedor há um filho que, humildemente, estende seu clamor arrependido; o mesmo se pode constatar com a cananéia (Mt 15, 21-28) que ao mostrar ao Senhor Jesus que se conformava, humildemente, com as "migalhas" recebe, misericordiosamente, a graça da libertação da filha enferma.
Zaqueu (Lc 19, 1-11) da mesma maneira ao ser interpelado a "descer da árvore" da arrogância e orgulho, humildemente, acolhe o apelo de Jesus, abre a porta da sua "casa" e recebe a graça da libertação dos seus pecados. Assim, o encontro da miséria com a misericórdia, como ensina a Santa Igreja, passa por vários aspectos, mas a humildade é fundamental, pois ela quebra a vaidade, condição que mais bloqueia o agir misericordioso de Deus.
Os santos e santas da Igreja nunca tiveram dúvidas de que exercitando a humildade e na renúncia da vaidade teriam pleno acesso a misericórdia divina sem limites, não necessariamente para receber favores, mas, principalmente, como auxílio na grande batalha que travavam com o mal para permanecerem firmes no propósito de abandonar-se à vontade de Deus, viver a santidade e alcançar a salvação de suas almas.
A misericórdia de Deus não olha a condição humana, pois a parábola do filho pródigo mostra justamente em que estado se encontrava aquele jovem: maltrapilho e mal-cheiroso: um eufemismo de como se apresenta a nossa alma, entregue ao pecado e suas consequências o inverso do que São Paulo em 2 Cor 2, 15 vem mostrar como característica de uma alma santa que exala um "perfume" agradável. Somente o Pai, e aqueles que tem o Espírito Santo em abundância tem a capacidade de encontrar almas nesta situação e, humildemente, oferecer-lhes ajuda, visto que almas vaidosas não serão capazes de fazê-lo.
Misericórdia, portanto, é atitude, impulsionada por um amor indizível que não intenta outra coisa senão o bem, o melhor, a dignidade do outro, e passa pela humildade de dizer: posso ajudar? E que se fará concreta se do outro lado se encontra como resposta: por favor! Almas humildes (leves como penas) que aceitam esta misericórdia de bom grado estão fadadas a alçar voo, a mergulhar mais fundo, encontrar tesouros, enquanto que as vaidosas (pesadas como chumbo) não se movem, estão fadadas à inércia, a uma vida estática e não conhecerão a beleza do que o Senhor pode lhes proporcionar.
Eis o desafio que lança o Papa nas entrelinhas: exercitar a busca da misericórdia que está a disposição de cada um e ao alcance de todos, tem nome, tem rosto, e tem desejo de colaborar; assim como também ser disseminador desta para com os que estão em derredor necessitados e, humildemente, clamando socorro.
"Sede misericordiosos, como vosso Pai do céu é misericordioso" (Lc 6, 36), eis o desafio, eis a missão.
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

"Dou-vos a minha paz" (Jo 14, 27)

O primeiro dia do ano é dedicado a PAZ no mundo. Foi um chamamento realizado a partir de um ato específico do beato Papa Paulo VI que em 1968 instituía o primeiro de janeiro como "Dia Mundial da Paz". No entanto, apesar de o Santo Padre àquela oportunidade fazer alusão a esta graça, que é parte íntima da natureza divino-humana de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que se viu naqueles dias, e que sucedem até esses dias, é que a tão desejada paz ainda mantêm-se longe de muitos corações.
E por quê assim? Por que o homem ainda segue, convicto, de que a paz é fruto de um esforço próprio, humano, particular, e que de forma alguma necessita de auxílios "transcendentes" para que a mesma ocorra, pois o intelecto, a razão, a vontade já são mais que suficientes. Assim, o desejo consciente de não agredir, não transgredir, não atingir o outro em qualquer que seja dos seus âmbitos torna-se um passo decisivo para a paz; e se essa atitude encontra eco na outra parte esta paz está selada.
Bem poderia ser possível se não fosse um detalhe que não se pode ignorar: o homem é um ser corrompido, principalmente, no que tange ao espírito, logo, a razão não pode ser fonte de êxito para tal intento, pois esta também se corrompeu. O homem não é parte, o homem é um holos (todo) e para que ele seja pleno em todas as suas capacidades o todo deve harmonizar-se, e se se despreza uma das partes não há como haver equilíbrio; seria, então, acreditar que alguém pode caminhar com uma perna apenas, tão perfeitamente como com as duas: algo impossível de acontecer.
A paz completa, perfeita, só será possível a partir de uma fonte que a torne capaz de ser perfeita, e essa fonte chama-se Jesus Cristo, pois foi Ele que em Jo 14, 27 declarou: "Deixo-vos a paz, dou-vos a MINHA paz. Não vo-la dou como o mundo a dá". Jesus faz então uma clara distinção entre a Sua paz e a paz do mundo, por quê? Por que a do "mundo" está embasada naquilo que foi acima descrito: num mero esforço humano; mas a paz de Jesus, a paz que ele não somente desejou, mas proclamou aos discípulos quando os encontrara trancados e temorosos naquele cenáculo (Jo 20, 19) ao proclamar "a paz esteja convosco" (vers. 19.21) é uma paz que tem duplo sentido; primeiro: é fruto de uma plena intimidade com o próprio Senhor Jesus que pacifica os sentidos, os sentimentos, as atitudes, as palavras, a postura, o trato com o outro levando esta pessoa a uma conduta de renúncia veemente da agressão, da violência, do mau para com o outro. Os que assim agem serão bem-aventurados e mais que isso, serão, palavras do próprio Cristo em Mt 5, 9, chamados filhos de Deus.
Em segundo, quando Jesus saúda os discípulos com "a paz esteja convosco" Ele está fazendo menção à redenção do homem para com Deus por sua paixão e morte o que está evidenciado nas palavras de São Paulo quando diz: "Justificados, pois, pela fé temos A PAZ COM DEUS, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5, 1). Logo, o homem que vivia em constante conflito, litígio com o Pai, pelo supremo sacrifício do Filho agora encontra paz, assim, é de se deduzir que um "mundo" que não quer, que não deseja, que rejeita a Deus volta a estar em litígio com Ele e, definitivamente, essa paz não se estabelece.
Diante dessa realidade, vê-se, então, que o mundo, a humanidade engendra esforços a partir de gestos pacifistas, e não propriamente de atitudes pacíficas, daí o que se observa: um mundo muito mais em guerra (em todos os sentidos, não somente bélico) com tendência a se avolumarem cada vez mais, do que com um real vislumbre de paz plena e duradoura. Isso por que como bem disse Papa Francisco: "A paz não é uma ausência; a paz é uma presença!" (menção à Gaudium et Spes e Paulo VI).
Somente com a presença de Cristo nos corações, é que, verdadeiramente, se vislumbrará a ausência de ódios, guerras, dissensões, divisões, desconhecimento do outro como irmão, próximo, filho de Deus e, portanto, alguém especial e cuja dignidade deve ser intocável.
Quando a humanidade inteira tomar consciência disso dar-se-á um passo gigantesco para a verdadeira paz que não precisará ter um dia do ano em especial, porque será celebrada todos os dias.
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo (Príncipe da Paz) e que Maria Santíssima (Rainha da Paz) interceda por sua vida.