domingo, 21 de outubro de 2012

"A fé sem obras é morta" (Tg 2, 26)

A Bíblia é clara ao mostrar que o homem não existe para a inutilidade. No princípio ele foi criado para o louvor, a adoração, para amar a Deus; o que mostra que foi concebido com um propósito.
Com o pecado original e sua queda passou, também, a ter, entre outras obrigações, de "viver do suor do seu rosto" (Gn 3, 19), tanto que a Palavra em várias passagens mostra críticas aos preguiçosos: "Os desejos do preguiçoso o matam porque suas mãos recusam o trabalho" (Pv 21, 25). O próprio Senhor Jesus aprendeu desde cedo a trabalhar com seu pai, São José, como marceneiro. São Paulo era direto nas suas palavras à comunidade de Tessalônica: "Quem não quiser trabalhar, não tem direito de comer" (I Ts 3, 10), pois, "em tudo me guardei e me guardarei de vos ser pesado" (II Cor 11, 9).
Porém, a Palavra de Deus mostra que devemos ser produtivos não somente para as necessidades básicas (comer, vestir, pagar as contas, obter bens...), mas também no serviço do Reino, na obra de Deus. E para ser produtivo na obra de Deus, para que se cumpra a ordenança do Senhor Jesus deixada a toda a Igreja: "Ide e evangelizai..." (Mc 16, 15) é necessário um algo mais que apenas boa vontade, boa intenção: é necessário a fé.
A fé autêntica que produz salvação para si e para os outros; é aquela que nos desprende de nós mesmos para nos fazer olhar em duas direções principais: acima, ou seja, para Deus que por Jesus na ação do Espírito Santo concede-nos o dom da Fé (I Cor 12, 9) e o Amor (Rm 5, 5) que nos impulsiona para olhar ao lado e ali encontrar o próximo, o outro, o irmão, o necessitado, o sofrido, o caído, o derrotado, o "morto espiritual" (Mt 8, 22).
Todos, sem exceção, que na história do Cristianismo tiveram essa experiência profunda com Jesus não passaram sem viver essa prática, ao ponto de São Paulo afirmar categoricamente que, a fé e a esperança são fundamentais, mas a caridade (I Cor 13, 13), o amor pela salvação das almas, é a maior das virtudes.
Quando não se tem essa prática do olhar a Deus e olhar o próximo, passa-se a olhar para si; sobressai-se, então, o individualismo, o egoísmo, a vaidade, o egocentrismo, e mesmo as vezes professando uma fé em Deus, ela pouco ou nada produz, pois é fé morta; é a fé que fica pelo caminho, é a fé que não combate o bom combate, é a fé que não se doa.
São Tiago quando compara a "fé morta" a um corpo sem alma (Tg 2, 26) dentre outras coisas talvez quisesse dizer que é uma fé que não aceita os desafios de Deus, pois levar a Palavra ao outro é ser desafiado, por isso cita o desafio que Deus lança a Abraão, omem de idade avançada, para que deixe sua terra (onde tinha tudo, onde vivia seu conforto) para ir a uma terra estranha e começar tudo de novo, para gerar um novo povo para Deus a partir de uma esposa, também de idade avançada e estéril. Mas ele creu e foi, assim como Moisés que aceitou o desafio de sair da comodiade de pastor para ir tirar o povo cativo das mãos de faraó (Ex 3, 1); como Davi aceitou o desafio de também deixar a comodidade do pastoreio (I Sm 16, 11) para enfrentar desafios como Golias (I Sm 17, 50), Saul, reinos inteiros; como Maria (Lc 1, 31) que aceitou o desafio de deixar a comodidade de menina para aceitar o desafio de gerar Jesus. Todos creram e aceitaram a missão.
O grande problema desses dias, e daí o nosso Santo Padre, o Papa Bento XVI, instituir um "Ano da Fé" talvez seja para dizer que, mais que preocupar-se com o número crescente dos que apostatam da fé verdadeira, seja para dizer que é necessário levantar-se homens e mulheres dispostos a aceitar os desafios de Deus, de arrancar do coração a fé estéril e inútil, de crer com convicção que, como batizados que são, o Senhor, pelo seu Espírito Santo, nos deu "uma língua de discípulo para que eu saiba reconfortar pela Palavra o que está abatido" (Is 50, 4), "para anunciar a Boa Nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor" (Lc 4, 18-19).
Sem essa consciência continuaremos a ser "fé morta" e Jesus continuará a lastimar-se: "A messe é grande, mas os operários são poucos" (Mt 9, 37) e almas se perderão pela omissão de muitos.
Portanto, que o Espírito Santo nos conceda uma fé viva, ouvidos e língua de discípulos para bem cumprirmos aquilo que nos torna espiritualmente úteis nessa vida que é levar Vida ao que estava morto, que é evangelizar.
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.

domingo, 14 de outubro de 2012

"Talita cumi": Levanta-te pela fé.

A Palavra de Deus no Evangelho de São Lucas 8, 40-56 mostra dois momentos da vida pública de Jesus, aparentemente distintos, mas ligados por um mesmo fato, fato este que é parte fundamental na relação homem-Deus, homem-Jesus, homem-Trindade: a fé.
O texto narra em primeiro instante o que, ao que pode parecer, um homem e uma mulher vão ao encontro do Senhor Jesus Cristo; ao que pode parecer, por quê? Porque, assim como diz o Catecismo da Igreja Católica "é sempre Deus que toma a iniciativa de ir ao encontro do homem" (CIC, 620); logo, os personagens principais desta passagem bíblica: Jairo e a mulher hemorroíssa, não foram ao encontro de Jesus, mas foram encontrados por Jesus.
Agora, o que permitiu esse encontro? O texto vai deixar claro: a fé. É bem verdade que, assim como a maioria das pessoas, e nos dias atuais não é diferente, ambos foram ao Senhor por uma necessidade: Jairo aflito pela enfermidade da filha; a mulher, pelo seu problema de saúde. Porém, deve-se aqui destacar que ambos foram a Jesus a fim de verem-se livres de uma situação específica, no entanto, verão que deste encontro alcançarão algo muito maior.
Jairo clama pela filha enferma e, ao dirigirem-se para a casa onde se encontra a menina, comprimidos por uma multidão, em meio àquele alvoroço, está uma mulher que sofre de "um fluxo de sangue" (uma hemorragia constante), que impelida por um desejo de cura crê naquilo que possivelmente já havia ouvido falar, nas curas milagrosas de Jesus, e ao tocar o manto (vers. 44) vê-se instantaneamente curada.
Jesus automaticamente questiona os discípulos sobre quem o tocou (vers. 45) e ao receber como resposta que seria impossível saber quem teria sido, demonstra sua curiosidade exclamando: "senti sair de mim uma força" (vers. 46). A sequência do texto mostra que a mulher se apresenta e, ao ser despedida por Jesus, ouve do Senhor: "A tua fé te salvou; vai em paz" (vers. 48).
Ao seguir rumo à casa de Jairo chega a notícia ruim que aquele pai não queria ouvir: "a menina está morta" (vers. 49). Esse pai que estava cheio de esperança pelo que testemunhara na cura da mulher agora vê a mesma se acabar, se esvair, se perder. Todavia, ao seu lado não estava qualquer um, estava o Deus da Vida que intervém imediatamente exclamando: "Não temas; crê somente e ela será salva" (vers. 50). Logo após, o Senhor adentra a casa juntamente com três dos seus discípulos e os pais, e ao se deparar com a menina "segurando Ele a mão dela, disse em alta voz: Menina levanta-te" (vers. 54), "Talita cumi" (Mc 5, 41). A menina levanta-se, e é devolvida aos pais.
Observe que o Senhor Jesus cobra de Jairo a mesma fé que o fez ir até Jesus. Foi a fé que possibilitou esses dois milagres, foi a iniciativa deste pai e daquela mulher que os levaram a obter a graça desejada. Porém, algumas reflexões são necessárias nesta passagem do Evangelho. Primeiro: a fé é a única maneira de se alcançar as benécies de Jesus; é por meio dela que "as comportas do céu" se abre; Jesus antes de curar dois cegos pergunta a eles: "Credes que eu posso fazer isso?" (Mt 9, 28), é a fé motivada por uma firme esperança que toca em Jesus e o leva a agir, e agir do jeito que achar mais conveniente, principalmente porque Jesus age pela sua Palavra, e não pelo toque, daí entendermos as palavras de São Paulo quando diz que "a fé é o fundamento da esperança é uma certeza a respeito do que não se vê" (Hb 11, 1).
Segundo: a passagem bíblica fala que a menina tinha uns doze anos, a mulher padecia há doze anos, que Jesus adentrou a casa com três discípulos (Pedro, Tiago e João). Isso significa que Jesus agirá, futuramente, pela Igreja. A fé se manifesta pela Igreja, a fé não existe dissociada da Igreja, portanto o lugar do exercício da fé é na Igreja, como Igreja, como Corpo de Cristo que somos.
Terceiro: em ambos os casos o Senhor não fala em curar, mas em salvar: "Vai a tua fé te salvou", "Crê somente e ela será salva". Por quê será? Porque para Jesus mais que uma cura física, interessa é a cura da vida por completo; é a cura dos sentimentos, dos pensamentos, das atitudes...Jesus ao operar um milagre interessava-se era pela mudança de vida como aconteceu com Zaqueu; daí ao final daquela passagem Ele afirmar: "Hoje a salvação entrou nesta casa" (Lc 19, 9). Curar para Jesus é nada, salvar o homem da sua vida de pecado, da sua obstinação pela perdição, é que é fundamental.
Por isso que a fé nestes dois casos foi fundamental, porque aquela menina e aquela mulher precisavam mais que serem curadas, precisavam serem salvas, serem postas de pé (Talita cumi), pela força desse Cristo que transforma não em parte, mas por completo. A fé produz milagres diversos, mas para Jesus o maior deles é restabelecer no homem a dignidade de filho amado de Deus, e essa é a tarefa mais difícil, pois indubitavelmente, Jesus foi muito mais impactado pela renegação daquele jovem rico (Mt 19, 22-23), de Judas Iscariotes (Lc 22, 48), daquele ladrão na cruz (Lc 23, 39), do que de todos os enfermos, possessos e mortos que curou, libertou ressuscitou.
Use, então, a sua fé meu irmão, lance-se aos pés de Jesus como fez Jairo e a mulher; creia, confie, pois como disse o Senhor Jesus a Marta antes de ressuscitar Lázaro: "Se creres verás a glória de Deus" (Jo 11, 40). Mas para isso, Talita cumi, levanta-te, ergue-te, coragem, o Senhor é contigo, o "justo viverá pela fé" (Hab 2, 4), pois "sem fé é impossível agradar a Deus" (Hb 11, 6).
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"...de pé"

Deus fez o homem à sua imagem e semelhança para viver sua dignidade em plenitude. O pecado levou o homem a viver sua indignidade em plenitude. O que Deus elevou o pecado rebaixou, e dali, do Éden até Jesus, o homem só conheceu - salvo raras exceções - a queda, o chão, a lama...
Foi para mudar este estado de coisas, e mostrar-nos que não é esta a condição para a qual fomos criados que Deus enviou Jesus: para nossa salvação, mas para devolver-nos essa dignidade perdida, também, e os Evangelhos apresentam alguns exemplos disso.
No Evangelho de São Lucas na passagem do encontro de Jesus com Zaqueu (Lc 19, 1-10) no versículo 8, após o Senhor ter estado na casa daquele cobrador de impostos pecador, odiado por quase todo o povo, diz a narração que "Zaqueu de pé diante do Senhor disse-lhe: "Senhor vou dar a metade dos meus bens aos pobres e, se tiver defraudado alguém, restituirei o quádruplo". Aquele homem caído, imerso na "lama" da sua ambição, ganância, desonestidade...derrotado pelos seus males, agora encontra em Jesus perdão, libertação, salvação, e é, então, recolocado "de pé", perante Deus, perante os homens, perante si mesmo, perante a vida.
No Evangelho de São João duas passagens são emblemáticas: a primeira no encontro de Jesus com aquela mulher samaritana (Jo 4, 1-42) no versículo 8 Jesus pede água e a mesma nega. Dali desenvolve-se um diálogo onde o Senhor expõe a fragilidade dessa mulher: a afetividade; já havia tido cinco maridos, e o atual não era dela (vers. 18), após aquele diálogo, sem preconceito ou repreensões, diz a Palavra que "a mulher deixou o seu cântaro, foi à cidade e disse àqueles homens: "Vinde e vede um homem que me contou tudo o  que tenho feito. Não seria Ele, porventura, o Cristo?. Eles saíram da cidade e vieram ter com Jesus" (vers. 28-30). Foi outra que conheceu a experiência de ser posta "de pé" e experimentar, agora, a dignidade de ser filha de Deus.
Por fim, também no Evangelho de São João, o encontro de Jesus com a mulher adúltera (Jo 8, 1-11). Este caso é emblemático, pois acorre uma multidão de acusadores a Jesus trazendo uma mulher flagrada em adultério à qual é lançada aos pés de Jesus mostrando, assim, a condição humana de sermos pelo mesmo mundo que nos corrompe, ser o mesmo que nos acusa. Jogada por terra ouve Jesus ser questionado se era ou não merecedora de apedrejamento, e a sentença que parecia inevitável lhe é favorável e a mesma é livrada da condenação de morte. O versículo 9 diz que "...Jesus ficou sozinho, com a mulher diante Dele..."; aquela que se encontrava caída diante dos "senhores da morte", agora encontra-se "de pé" diante do Senhor da  Vida que a ela diz: "Ninguém te condenou? (....) Nem Eu te condeno." (vers. 10-11) e dá-lhe uma ordem: "Vai e não tornes a pecar" (vers. 11).
Aquela mulher, que alguns dizem ser Maria Madalena, nunca mais foi a mesma, por quê? Por que experimentou a mesma coisa que Zaqueu e a Samaritana: a graça de ser tirado do charco, do lodo, da lama, da lavagem dos porcos como o filho pródigo e ser recolocado na casa do Pai, com a dignidade de filha.
Esta foi, e continua sendo, por meio da Santa Igreja a missão de Jesus, porém, quanto mais se busca mostrar, e oferecer a todo homem esta possibilidade, mais se percebe uma inveterada disposição do mesmo em permanecer nesta condição terrível de "caído", derrotado, chafurdando na lama das suas falsas e enganosas ilusões, alimentando-se nas "lavagens" dessa vida travestidas sobre a forma de bens materiais, fama, sucesso, vaidades, egoísmo, individualismo...Obstinados por essa opção de vida muitos fecham-se à essa possibilidade de uma nova vida o que terminará, por consequência, em um completo vazio de sentido, traduzido em angústia e depressão, pois no grande Mandamento "Amar a Deus, ao próximo, como a sí mesmo" a vida só é completa nestas três dimensões. Assim, o Mal trabalha para matar em nós a primeira e a segunda dimensão deste Mandamento, potencializando o último, por isso Zaqueu, a Samaritana e a Adúltera chegaram àquela situação de vida.
O Senhor veio para restabelecer na vida deles, e de cada um que dê essa permissão, o ressuscitar dessas duas primeiras dimensões: Deus e o próximo. Restaurados nesse sentido puderam, então, viver nova existência "de pé", vencedores, libertos, plenos de sentido, felizes...
Jesus deseja o mesmo a você. Permita-se, como Maria e João (a Igreja): "de pé aos pés da cruz" (Jo 19, 25-26) reencontrar a Vida Nova que ressuscita no amor, pois verdadeiramente "se Jesus vos libertar, vós sereis verdadeiramente livres" (Jo 8, 36). Opte por estar "de pé" com Jesus, e não "caído" com o mundo.
Deus te abençoe em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.